AUTOBIOGRAFIA

MENDONÇA, Estevão de. Retalhos da vida. Cuiabá, Tip. da Escola Industrial, 1950.

INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE MATO GROSSO
PUBLICAÇÕES AVULSAS, n° 18 - 1999

 

Reprodução fac-similada, 1999, com autorização da família e patrocinado pela UNIRONDON.

Autobiografia

 

Nasci às duas horas da madrugada de 25 de Dezembro de 1869, em Santo Antônio da Barra, distrito de Melgaço, município de Santo Antônio do Rio-Abaixo (I). Meus pais —João Anastácio Monteiro de Mendonça e Hermenegilda Maria da Dôres de Mendonça, em começo de 1871, mudaram-se para a Vila de Miranda, e mais tarde para a de Nioaque, onde faleceram e foram sepultados. Fui batizado a 6 de novembro de I870 na igreja paroquial da freguesia de Pedro II (segundo distrito de Cuiabá), sendo celebrante o Rev. Manoel Inácio de Mesquita.

Aos onze meses de idade, gravemente doente, fui entregue aos meus tios Nuno Anastácio Monteiro de Mendonça e Maria da Conceição Monteiro de Mendonça. Casal sem filhos, por ambos fui criado e educado com expecional carinho. Em sua companhia vivi até 1894, e faleceram em meus braços. À minha tia eu chamava de “Mamãe”.

Do meu casamento com Etelvina Caldas de Mendonça tenho quatro filhos:

  • Other de Mendonça, nascido a 7 de setembro de 1895.
  • Nuno de Mendonça, nascido a 4 de junho de 1898.
  • Bartira de Mendonça nascido a 5 de março de 1903.
  • Rubens de Mendonça, nascido a 27 de julho de 1915.

Todos nasceram em Cuiabá, e os três primeiros já são casados.

Em fevereiro de 1891 fui nomeado praticante do Correio de Cuiabá, e em dezembro de 1895, já oficial, solicitei exoneração. Tendo como auxiliar meu primo Nuno de Mendonça Sobrinho, fundei o Colégio Augusto Leverger, começando o ano letivo a 14 de janeiro de 1896, 16º aniversário do falecimento desse grande servidor de Mato Grosso. Iniciei desse modo o culto levergeriano, agora vitorioso em toda a linha, graças à minha tenacidade e ao meu esforço nunca interrompido. Tudo quanto, desde então, se fez em prol da memória de Leverger, ou nasceu de minha iniciativa, ou teve a minha colaboração imediata.

"A Tribuna", semanário de propriedade e direção dc Custodio Alves Ferreira, foi o primeiro jornal em que colaborei (1889). Nesse mesmo ano, eu, Henrique Silva, José Júlio da Silveira Martins, fundamos "A Vespa", folha literária. Em 1910, com Amarilio de Almeida, circulou "O Comércio". Colaborei na "A Gazeta", de Vital de Araújo, no "O Clarim", de Pedro Ponce, e no "O Republicano", neste desde 1895 a 98, sob a direção de Antônio Fernandes, Trigo de Loureiro, Também, em vários períodos, no "O Mato-Grosso". Escrevi no "O Debate", na "Gazeta Oficial" e ainda nos seguintes jornais: "A Cruz”, "O Farol", "O Democrata", "A Reação", e mais recentemente no "O Estado de Mato-Grosso".

Em 1905 fundamos, eu e Antônio Fernandes de Souza, a revista "O Arquivo", . destinada à divulgação de documentos históricos e geográficos. Na revista "Mato Grosso" a minha contribuição foi abundante. Esclareço por fim que jamais auferi qualquer rcnumeração pecuniária, resultante da minha atuação na imprensa.

Por proposta do Dr. Antônio de Toledo Piza, a 20 de setembro de 1905, fui, por unanimidade, incluído no quadro de sócios correspondentes do Instituto Histórico de São Paulo. Em sessão de 7 de maio de 1906, por proposta do Dr. Oscar Leal, fui eleito

sócio correspondente da Sociedade de Geografia de Lisbôa (diploma registrado sob n° 6194).

Por proposta do Dr. Luís José da Costa Filho fui eleito sócio correspondente do Instituto Histórico de Sergipe (diploma datado de 11 de agosto de 1919).

Por proposta do Dr. Orlando de Araújo, em sessão de 31 de agosto de 1932, fui eleito sócio correspondente do Instituto Histórico de Alagoas.

Faço parte do quadro dos sócios da Sociedade Capistrano de Abreu, incluído logo após a sua fundação. Fui proposto pelo General Malan d'Angrogne.

Proposto em 1919, em sessão de 22 de agosto de 1931, fui eleito sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Pertenço à classe dòs sócios remidos.

Sócio fundador do Centro Matogrossense de Letras (agora Academia Matogrossense de Letras), ocupo a cadeira que tem por patrono Augusto Leverger.

Em janeiro de 1919 eu e o Dr. Eurico de Góes fundamos em Cuiabá o Instituto Histórico de Mato Grosso, instalado a 8 de abril desse mesmo ano. Para mim foi a vitória de 20 anos de propaganda.

Mediante concurso fui a 20 de outubro de 1898 nomeado professor efetivo da cadeira de História e Geografia do Liceu Cuiabano. Desdobrada a cadeira em 1902, em virtude de equiparação ao Ginásio Nacional, óptei pela cadeira de Geografia, e nela aposentei-me.

De julho de 1903 a julho de 1906 exerci igualmente o cargo de auxiliar-técnico da Repartição de Obras Publicas do Estado, e a seguir o de diretor.

Por indicação exclusiva do Barão de Ramiz Galvão, presidente do Conselho Superior do Ensino, fui, em 1920, nomeado inspetor federal do Liceu Cuiabano. Com a aposentadoria desse eminente brasileiro solicitei a minha exoneração, que só foi-me concedida em começo de 1927, quando o pedido renovado.

Nos termos do Código dos Interventores fui nomeado em 1932, pelo Governo Provisório, para o cargo de membro do Conselho Consultivo deste Estado. O Conselho compunha-se de cinco membros, mas funcionava com três únicos - D. Francisco de Aquino Corrêa, Dr. Estevão Alves Corrêa e eu. Solicitei exoneração em 1933.

Nos termos do Código Eleitoral fui nomeado em junho de pelo Governo Provisório, juiz efetivo do Tribunal Regional Eleitoral, tendo deixado a respectiva função em setembro de 1934.

Em 1906 fiz imprimir "Quadro Corográfico de Mato-Grosso", aprovado pelo Conselho Superior do Ensino do Estado. Em 1919 publiquei "Datas Matogrossenses", em 2 volumes. Colaborei no Álbum Grafico de Mato-Grosso", impresso em Hamburgo, pouco antes da guerra).

Por decreto no 168, de 12 de maio de 1905, fui nomeado, com Antônio Fernandes de Souza, para coordenar e dirigir a publicação dos trabalho do Barão de Melgaço. Veio á luz, impresso na tipografia de Avelino de Siqueira, o primeiro volume da série - "Vias de Comunicações", por mim adotado. O presidente Antônio Pais de Barros, morto nas imediações da Fábrica de Pólvora do Coxipó, em 1906, foi substituído no governo pelo 1° vice-presidente Pedro Leite Osório que se desinteressou completamente pelo prosseguimento da publicação das obras de Leverger.

Em começo de I942 fui designado pelo secretário do Interior para organizar a Biblioteca Pública do Estado, e após três meses a 3 de maio a Biblioteca foi inaugurada

Fui o diretor nomeado, e logo depois solicitei exoneração.

A "Gazeta Oficial", no  3435, de 29 de junho de 1912, estampou o seguinte:

"Ordem no 308 - Cuiabá, 27 de junho de 1912.

O Secretário do Interior, Justiça e Fazenda tendo em vista a solicitude competência que revelou o Sr. Estevão de Mendonça na organização da Biblioteca Pública desta cidade e o método que estabeleceu para que esse instituto preencha os elevados fins a que se destina, resolve agradecer os inestimáveis serviços prestados pelo mesmo, cujo nome acha-se ligado imperecivelmente à Biblioteca, e manda que se transcreva apresente ordem no livro ponto da referida repartição para os devidos fins. — Manoel Pais de Oliveira".

Em 1897 fui nomeado para reorganizar o arquivo da Secretaria do Governo do Estado. Com o respectivo arquivista, Antônio Modesto de Melo, em dois anos de trabalho apenas, a parte referente ao período colonial ficou organizada. Deixei essa comissão em 1899, sendo substituto por Demétrio da Costa Pereira.

Por proposta do Conselho de Fiscalização das Expedições Artísticas e Científicas no Brasil e na forma do Decreto de 5 de junho de 1934, julho subsequente fui designado pelo Ministro da Agricultura para exercer as funções do Delegado do Conselho neste Estado. Encontro-me no exercício desse cargo, que não é remunerado.

Fui sócio efetivo da Associação Literária Cuiabana durante vinte anos, até o seu desaparecimento. Todo o acervo da Associação - biblioteca e moveis - ficou incorporado por doação ao Centro de Letras. Concorri para essa deliberação.

Colaborei no Almanaque de Mato-Grosso (1904 c 1905); no Almanaque Popular do Rio Grande do Sul; no Almanaque Garnier, quando diretor Ramiz Galvão. Também em "Seleta", revista carioca, e, no mesmo período, correspondente epistolar do "Estado de São Paulo" (1918 e 1919).

Por proposta do Dr. José A. Boiteux, aprovada a 27 de julho de 1910, fui incluído no quadro de sócio correspondente da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.

Educado sob orientação católica, bem cedo, entretanto, com Ernest Renan, os meus princípios se assentaram de parelha com o Mestre: "Quando se chegou a conhecer o Pai Celeste, aquele que se adora em espírito e em verdade, não se é de nenhuma seita, de nenhuma religião particular, de nenhuma escola. É-se da religião verdadeira; todas as práticas se tornam indiferentes; não se desprezam, porque são sinais que foram ou são ainda respeitáveis; mas deixa-se de lhes reconhecer uma virtude intrínseca (São Paulo).

Por Decreto do Governo Provisório fui nomeado em 1932 juiz efetivo do Tribunal Eleitoral do Estado (Decreto de 27 de junho de 1932).

Como advogado coube-me o patrocínio de desembargadores e juízes de direito, ilegalmente afastados dos seus cargos. Os processos foram vitóriosos.

Numa ruidosa demanda contra o Asilo Santa Rita, de Cuiabá, fui o advogado do Arcebispo. Fiz a defesa com êxito, sem nenhum interesse econômico.

Em todo o decurso da minha longa vida jamais tomei parte em competições e lutas partidárias. "Ou a política não me serve, ou eu não sirvo para a politica", dizia o Almirante Leverger.

Pratiquei o preceito, tendo recusado por três vezes uma cadeira de deputado à Assembleia do Estado, e em 1917 à presidência do Estado, e assim em 1932.

Tive, em 1938, a incumbência do Estado de defender-lhe, no foro de Corumbá, os direitos sobre as minas Urucum. Triunfou o Estado.

Em 1939, mediante contrato com a Prefeitura de Cuiabá, tive incumbência de organizar o tombamento da cidade, compreendendo as zonas urbana, suburbana e rural.

Tenho sepultura perpétua, no cemitério da Piedade desta cidade, junto ao túmulo do Barao de Melgaco. Concedeu-ma uma Resolução Municipal, cm atenção e reconhecimento de serviços à Capital do Estado.

Neste ano de 1940, a 4 de setembro, fui incluído, como sócio correspondente, no quadro do Instituto Histórico e Geográfico Paraense.

Por decreto de 27 de abril de 1947, fui nomeado pelo General Eurico Gaspar Dutra, Presidente da República, e meu ex-aluno, para exercer o cargo de Membro do Conselho Administrativo do Estado de Mato-Grosso.


Faleceu em Cuiabá-MT, no mesmo mês em que nasceu, aos 2 de dezembro de 1949.

 

Busto de Estevão de Mendonça
Busto de Estevão de Mendonça - Acervo Família Mendonça

O Vereador Emanuel Ribeiro Daubian, em 1971, propôs no parlamento municipal homenagear Estevão de Mendonça pelo seu centenário, com a colocação de um busto, inaugurado no final do mesmo ano.

A placa do busto estampou: “O maior historiador mato-grossense ESTEVÃO DE MENDONÇA, Homenagem da sua terra natal, Prefeitura de Barão de Melgaço”

Os papéis produzidos por Estevão de Mendonça foram doados pela família, juntamente com os de seu filho Rubens de Mendonça, hoje depositados no Arquivo da Casa Barão de Melgaço, dossiê Documentos de Família, à disposição dos pesquisadores através da Plataforma digital.

 

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